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Espiral autoritária

Alessandra Orofino -  Folha de S.Paulo

Bolsonaro seria a consequência natural de Michel Temer com bênção de seu exército de jovens eleitores
Aos que viram em Michel Temer uma esperança reformista, isolada das pressões populares: eu sei, o Brasil precisava mudar radicalmente sua Previdência, precisava atualizar suas leis trabalhistas. E vocês viram nesse sujeito uma brecha: uma possibilidade de descolamento das decisões executivas da vontade muitas vezes volátil e curto-prazista da população. Era para ele vir, ficar dois anos, fazer as tais reformas, ir embora, e a democracia seguiria seu curso, sobre fundações econômicas mais sólidas, a bomba da Previdência desarmada, o mercado livre para contratar aos montes sem as amarras de uma lei pouco adaptada às realidades do século 21.
Só que deu errado. Michel Temer pode ter chegado onde chegou sem precisar de voto e pode se manter no poder com 6% de popularidade mas isso não quer dizer que ele seja impermeável a pressões, pelo contrário. Ele se dá ao luxo de ignorar a população, mas não pode ignorar outras forças: o próprio Legislativo, um punhado de partidos moribundos e interesses corporativistas sórdidos. E aí a tal da reforma da
Previdência deixa de fora, justamente, as Forças Armadas. Os juízes e funcionários públicos do Legislativo continuam ganhando quase
R$ 30 mil mensais de pensão porque têm direitos adquiridos. E a reforma trabalhista, com suas regras pouco claras e seus regimes de transição alucinados, cria mais insegurança jurídica do que flexibilidade.
O pior, no entanto, não é isso: é que na sanha de se manter no poder, sem contar com uma legitimidade democrática de fato e encalacrado até o pescoço em escândalos, Temer vendeu todos os anéis e todos os dedos. Distribuiu emendas, afagou bandidos e agora se dá ao luxo de presentear os aliados fiéis caso, notoriamente, de Roberto Jefferson com pequenos agrados.
Em tempos normais, a nomeação de Cristiane Brasil seria impossível, porque o custo político de contrariar de forma tão flagrante o bom senso e a ética seria alto demais, sob a forma de uma insatisfação popular generalizada. Mas, para Temer, a insatisfação popular importa menos que o PTB.
Na ausência de uma regulação política do absurdo, entra em cena a figura do juiz, o novo herói nacional, único agente capaz de incidir sobre um governo isolado da população. E aí a espiral autoritária dá mais uma volta: tem razão o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, quando diz que um juiz de primeira instância não deveria poder barrar uma indicação ministerial feita pelo presidente da República. E é óbvio que a classe política vai responder já está respondendo com as armas das quais dispõe. A maior delas é a falta de moralidade e ética do próprio Judiciário, que fica evidente na questão dos auxílios-moradia. Assim, mina-se a credibilidade da única categoria que, em tempos de blindagem da política, quis parecer responder aos anseios da população.

E quando a população não puder mais exercer um controle democrático do governo e tampouco confiar no Judiciário para fazê-lo? Outros heróis aparecerão. Com vieses mais e mais autoritário. Meu palpite é que serão os militares e seus autoproclamados representantes. Bolsonaro seria, nesse contexto, a consequência natural do governo Temer, com a bênção de seu exército de jovens eleitores. Minha geração, que acreditava ter nascido e crescido em relativa democracia, estará decididamente optando pelo seu contrário.
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