A confirmação da Polícia Federal de que a gravação de Joesley Batista não foi manipulada, além de ações da PGR, agrava a situação do presidente e dificulta sua tática para evitar processo no Supremo
Temer ao lado da primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, em Oslo. – para o lado do presidente (Foto: Divulgação)
Época - Aguirre Talento
O presidente Michel Temer parecia cansado na manhã da sexta-feira, dia 23, quando deu declarações em Oslo, em seu último dia de visita oficial à Noruega. Em sua rápida fala, Temer mencionou uma visita ao Parlamento “brasileiro” – na verdade, era o norueguês, óbvio – e o encontro com o rei da Suécia – era o da Noruega, claro. Além da diferença de horário, deve-se entender que Temer tivera uma semana difícil. Enfrentou pequenos protestos longe de casa e pouco antes tivera de ouvir, a seu lado, a primeira-ministra do país, Erna Solberg, dar apoio à Operação Lava Jato, que o investiga. A milhares de quilômetros de Brasília, Temer era informado durante todo o tempo sobre a evolução das investigações que o cercam – e nenhuma das mudanças no cenário era boa. As frentes de desgaste se multiplicam e governar fica cada vez mais difícil, até mesmo em situações rotineiras, como uma viagem internacional.
No início da noite da mesma sexta-feira, a Polícia Federal avisou o gabinete do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, que concluiu a perícia na gravação feita por Joesley Batista do diálogo que manteve com Temer na noite de 7 de março, no Palácio do Jaburu. Diagnóstico: o áudio não foi editado ou adulterado e foi realmente gravado pelo aparelho entregue por Joesley às autoridades; contém várias interrupções, provocadas pelo modo de gravar do aparelho. Assim, é considerada uma prova válida. Esse resultado é um grande revés para a defesa de Temer tentar evitar um processo.
Outro grande obstáculo foi lançado durante a semana pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em um movimento estratégico bastante prejudicial a Temer. Janot decidiu dividir em três as denúncias que fará ao Supremo Tribunal Federal contra o presidente, em decorrência da delação premiada do empresário Joesley Batista, da JBS. Janot apresentará primeiro a denúncia pelo crime de corrupção passiva, que já está em fase final de elaboração. A segunda será por obstrução da Justiça e a terceira será por organização criminosa. Assim, o ministro Fachin terá de remeter três denúncias – em vez de uma – para a apreciação da Câmara dos Deputados.
É uma pequena mudança para Janot, mas um grande drama para Temer. Cada uma das denúncias terá de ser examinada pela Câmara e votada no plenário. O presidente e seus aliados trabalhavam para mobilizar 172 votos, quantidade mínima para rejeitar o pedido do Supremo. Agora, Temer terá de repetir tal operação de mobilização política três vezes, o que exigirá esforço enorme de um governo fraco. Aliado a isso, Janot sinalizou com a possibilidade de a Procuradoria suspender processos de políticos citados na Lava Jato em crimes de caixa dois. Quem reconhecer que cometeu o crime e for réu primário poderá pagar multa ou prestar serviços comunitários, e sair com a ficha limpa ao final. Isso não resolve o problema dos maiores investigados pela Lava Jato, mas beneficia uma parte razoável dos citados na delação da Odebrecht. Com a proposta, Janot esvazia um poder que, hoje, é exclusivo de Temer – o de proporcionar uma anistia a esse crime. Janot subtrai mais um recurso de negociação política do presidente.
Ao mesmo tempo que o esforço político terá de ser maior, Temer acumula mais problemas na parte jurídica. Personagem-chave na arrecadação de valores ilícitos para o PMDB, Lúcio Funaro, o operador do ex-deputado Eduardo Cunha, desistiu de confiar na omertà, o código de silêncio da Máfia italiana, como sempre disse. Acossado pela delação dos executivos da JBS, preso em Brasília, Funaro prestou dois longos depoimentos à Polícia Federal nos dias 2 e 14 de junho, nos quais tentou demonstrar boa vontade e mostrar o que pode contar no acordo de delação premiada que pede à Procuradoria-Geral da República. Preocupou-se em contar histórias prejudiciais à defesa do presidente. Funaro se concentrou em pessoas próximas de Temer, como o ministro Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha, todos do PMDB.
Funaro explicou como funcionou a operação na qual recebeu propina de empresas que obtiveram recursos do FI-FGTS, controlado pelo PMDB. Citou o caso de duas empresas, a BR Vias do grupo de Henrique Constantino (dono da Gol) e a LLX do grupo de Eike Batista, que geraram R$ 20 milhões em propina, ilegalmente investidos na campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo, em 2012, e na campanha presidencial de Temer em 2014. “Ambas foram por orientação/pedido do presidente Michel Temer”, disse Funaro. Admitiu que não mantinha relação próxima com o presidente – a intermediação era feita por Cunha, Geddel e Henrique Eduardo Alves. Mas citou três ocasiões nas quais esteve com Temer – uma na base aérea de São Paulo, acompanhado de Eduardo Cunha; outra, em um comício das eleições municipais em Uberaba, Minas Gerais, em 2012; e a terceira, em uma reunião de apoio à candidatura de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo, em 2012.
Funaro calcula ter movimentado R$ 100 milhões em propina para três campanhas do PMDB e de Temer
Funaro era uma espécie de banco ilegal do PMDB da Câmara, que movimentou valores exorbitantes. Afirma ter arrecadado cerca de R$ 100 milhões para as campanhas de 2010, 2012 e 2014 na base dos achaques a empresários, dando como contrapartida dinheiro público liberado por órgãos como a Caixa Econômica Federal.
Funaro foi especialmente danoso com Geddel Vieira Lima, um auxiliar historicamente próximo a Temer, que perdeu o cargo de ministro por suspeita de corrupção. Suas declarações corroboram entrevista do dono da JBS, Joesley Batista, publicada por ÉPOCA em sua última edição. Joesley havia dito que Geddel era intermediário entre o presidente Michel Temer e a compra do silêncio de Funaro e de Eduardo Cunha. “Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo”, disse Joesley. Funaro afirmou que Geddel fazia contatos constantes com sua família, preocupado com a possibilidade de ele fazer uma delação. “Estranha alguns telefonemas que sua esposa tem recebido de Geddel Vieira Lima, no sentido de estar sondando qual seria o ânimo do declarante em relação a fazer um acordo de colaboração premiada”, diz o depoimento de Funaro de 2 de junho. Detalhista, sua defesa entregou à PF imagens do celular da mulher de Funaro mostrando ligações do telefone de Geddel, com o apelido “Carainho”.
Chamado novamente pela PF no dia 14, Funaro detalhou vultosos pagamentos de propina a Geddel, chamado por ele de “Boca de jacaré”, em referência à voracidade. Os repasses seriam uma compensação pela atuação de Geddel na liberação de recursos enquanto vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa no governo Dilma entre 2011 e 2013. “Estima ter pago a Geddel aproximadamente R$ 20 milhões em espécie a título de comissão decorrentes das operações de crédito que teria viabilizado junto à CEF”, diz o depoimento. Funaro afirma ainda que, em 2009, fez uma operação para a empresa Cibe no FI-FGTS e pagou propina para Cunha e Moreira Franco, à época em que este era vice-presidente da Caixa. Neste caso, o operador afirmou não se lembrar dos valores, mas que foram em dinheiro vivo. Segundo o depoimento, Funaro levou os donos das empresas Equipav e Bertin, que eram sócias na Cibe, “para uma reunião com o deputado Eduardo Cunha, o qual depois os levou até a CEF [Caixa] para uma outra reunião com Moreira Franco”.
As declarações de Funaro foram usadas pela Polícia Federal para corroborar as suspeitas de uma relação espúria entre Joesley Batista e Temer, por intermédio de Geddel. Em relatório parcial, divulgado na semana passada, o delegado Thiago Machado Delabary concluiu que o presidente incorreu no crime de corrupção passiva por ter recebido propina por intermédio do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, aquele que aparece correndo com uma mala recheada de R$ 500 mil pagos pela JBS para resolver um problema no Cade, o órgão do governo que zela pela livre concorrência. “Diante do silêncio do mandatário maior da nação e de seu ex-assessor especial, resultam incólumes as evidências que emanam do conjunto informativo formado nestes autos, a indicar, com vigor, a prática de corrupção passiva”, diz o relatório.
A PF ainda tem duas outras linhas de investigação no caso: suspeita que Temer participou da compra do silêncio de Cunha e Funaro, o que poderia caracterizar crime de embaraço à investigação de organização criminosa, e a possível existência de crime na conversa em que Joesley diz a Temer que estava corrompendo integrantes do Judiciário e do Ministério Público Federal.
Sobre as acusações de Funaro, o presidente Michel Temer diz ser “impossível” que ele tenha operado movimentações financeiras para sua campanha eleitoral em 2014. Também disse que não tinha “nenhuma relação” com o operador de Eduardo Cunha. A defesa do presidente classificou o relatório da Polícia Federal de “frágil” e “prematuro”. O ex-ministro Geddel Vieira Lima disse, por meio de sua defesa, que são “infundadas e fantasiosas” as acusações e que “jamais praticou qualquer ilegalidade”. O ministro Moreira Franco já afirmou que nunca esteve com Funaro nem captou recursos para campanhas eleitorais do PMDB.
O Grupo Comporte, que inclui a BR Vias, afirma “que segue colaborando com as autoridades para o total esclarecimento dos fatos”.
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