Um político que se vendia como administrador moderno e um homem de negócios empreendedor agravam problemas fluminenses e frustram quem esperava renovação
Editorial O Globo
A coincidência de um político que se mostrava promissor como Sérgio Cabral estar preso em Bangu, e um empresário, Eike Batista, que executava a coreografia de empreendedor moderno, se encontrar na lista de procurados da Interpol é uma infelicidade. Para um país que padece da falta de quadros qualificados, e especificamente para o Rio de Janeiro, origem dos dois, governado por um deles.
É certo que eles entraram em autocombustão, e o Rio de Janeiro sofre avarias duplamente: as empresas de Eike Batista têm sede no Rio, além de as aventuras frustradas dele no segmento de petróleo e gás terem se somado à virtual quebra da Petrobras e afetado um segmento de peso na economia fluminense. Já Cabral, governador do estado por duas vezes (2007/14), deixou de herança para o vice, Luiz Fernando Pezão — ao renunciar antes de concluir o segundo mandato —, um estado com despesas elevadas em pessoal e na previdência, o estopim da bomba fiscal que seria acesa assim que o preço do petróleo desabasse e levasse junto os royalties. Gastos rígidos e arrecadação em queda são receita de desastres fiscais.
Ambos cultivavam um lado “A” e um “B”. À vista de todos, o administrador público moderno, apoiando projetos ousados e corretos como as UPPs, além disso deixando as polícias à margem do jogo da baixa política. Já Eike demonstrava o “espírito animal” do empreendedor, disposto a correr riscos, longe da sombra do Estado. Mas Cabral e Eike se articulavam nos respectivos lados “B”.
Antes da operação Eficiência, deflagrada esta semana a partir de investigações sobre o nada republicano relacionamento entre Cabral e Eike, houve a Calicute, na qual rastrearam-se ligações espúrias do ainda governador com o empreiteiro Fernando Cavendish, resultando na prisão de Cabral e da mulher, Adriana Ancelmo, entre outros. Trata-se de um desdobramento promissor da Lava-Jato.
Desta última operação da PF e do Ministério Público, no cumprimento de mandados expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, Sérgio Cabral e grupo emergem na disputa pelos primeiros lugares no ranking das propinas milionárias distribuídas no circuito do petrolão e cercanias.
Cabral e associados teriam US$ 100 milhões no exterior, US$ 80 milhões dos quais do ex-governador. Descobriu-se, ainda, 1,8 milhão de euros em diamantes. Eike transferiu US$ 16,5 milhões para Cabral, numa complexa engenharia de lavagem de dinheiro, com a participação dos marqueteiros do lulopetismo, João Santana e Mônica Moura, e a montagem da venda fictícia de uma mina de ouro, usando-se bancos uruguaios e panamenhos.
Ainda não se sabe com detalhes as facilidades que Cabral distribuiu em troca de tanto dinheiro. Além de obras, uma pista são os fartos incentivos fiscais distribuídos por seu governo, de que Eike foi beneficiário. Até um restaurante de comida chinesa, do empresário, na Zona Sul do Rio, foi beneficiado.
Outra coincidência, não fortuita, é Cabral e Eike construírem carreiras neste submundo nos 13 anos do lulopetismo, período de mais intervenção do Estado na economia, de dinheiro a rodo no BNDES para criar “campeões nacionais”. As empresas de Eike entre elas. É também deste período o aprofundamento do fisiologismo, não inventado pelo PT, mas exercitado por ele à exaustão. Eike, Cabral e outros são personagens desses tempos.
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