Por falta de coesão, usamos inflação e endividamento público para atender interesses divergentes
Cristovam Buarque *
Há décadas, intelectuais e políticos alertam para a necessidade de reformas estruturais, sem as quais a nação brasileira continuaria carecendo de forças de coesão e de dinamismo. Fomos forjados sob o signo da escravidão e da exclusão, da concentração de renda e da segregação educacional, usando políticas fisiológicas e patrimonialistas de uma aristocracia que sobrevive ao Império. Não somos ainda uma República com coesão nacional. Por falta de coesão, usamos inflação e endividamento público para atender interesses divergentes. Quando isso se esgotava, usamos ditaduras, para impor coesão forçada.
Basta olhar ao redor para ver que há um clima de desagregação no ar: corrupção endêmica; violência urbana generalizada como uma guerra civil sem ideologias, nem religiões; partidos sem propostas, nem identidades; políticos sem credibilidade; decisões judiciais precipitadas, legislando no lugar do Congresso e sendo desrespeitadas por parlamentares.
Some-se a isto, a baixa produtividade e baixa propensão à poupança, a permanência da desigualdade social, a recessão econômica, o desemprego catastrófico, o endividamento do Estado, das famílias e das empresas; a miséria do quadro educacional. Sobretudo, um país dividido em corporações, sem preocupação com os interesses nacionais de longo prazo, e um quadro ideológico de sectarização dogmática, sem debate em busca de alternativas. Um país sem amálgama de longo prazo, perdido no imediatismo de promessas impossíveis para o futuro e sem qualquer aceitação para os necessários sacrifícios no presente.
Mas o Brasil não pode continuar adiando sua coesão. Deve entender e querer superar o risco da desagregação, abrir diálogo entre o que ainda resta de líderes, independente de terem votos e serem políticos, reconhecer e convocar o país para enfrentar as dificuldades imediatas: levar adiante e com todo rigor as operações da luta contra a corrupção; realizar as reformas que o país precisa para liberar seu futuro: fiscal, progressista e sem as brechas que beneficiam aos ricos, trabalhista, previdenciária, propondo também as necessárias reformas estruturais sempre adiadas: garantia de terra para quem dela ainda precisa no campo; eficiência da máquina do Estado para dar-lhe baixo custo e para servir com qualidade aos usuários dos serviços públicos; transformação educacional, para assegurar a toda criança escola com a mesma qualidade que o Brasil precisa para aglutinar e desenvolver sua sociedade e economia.
Esta é a proposta que podemos tentar em 2017: barrar o atual rumo da decadência e da desagregação, iniciando um novo rumo para o Brasil. Cabe aos atuais líderes convocar a população para uma aglutinação em torno aos sacrifícios de hoje, com esperança nos benefícios futuros. Sem isso, que é difícil de realizar, vamos cair na desagregação ou antecipar eleições gerais, para todos os cargos federais, na tentativa de fazer a necessária aglutinação por novos líderes com credibilidade.
* Cristovam Buarque é senador da República
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