Ruy Castro - Folha de S.Paulo
Se, a esta hora, você já leu o seu jornal, ouviu rádio ou assistiu à televisão, é fatal que tenha passado várias vezes pela palavra propina. É a palavra do ano no Brasil, e ainda estamos em abril —provavelmente já deveria tê-lo sido nos anos anteriores, desde que a Lava Jato entrou em cena. Você sabe o que significa. É o dinheiro que, drenado dos bolsos da nação pelos governantes para beneficiar empreiteiros amigos, tem parte dele redistribuído para partidos e políticos empenhados em se eternizar no poder, viver à tripa forra ou ambos. A Odebrecht, por exemplo, pagou US$ 3,3 bilhões em propinas e caixa dois a 92 políticos, de 2006 a 2014 —disse o noticiário.
Um passeio pelos dicionários, no entanto, revela que propina (do latim "propina", dádiva), significa gorjeta, gratificação —e só. Assim rezam o "Aurélio" e o "Houaiss". Ao estender cinquentinha fora do cartão para nossos amigos garçons do Caranguejo ou do Bar Lagoa, estamos oferecendo-lhes uma inocente propina pela gentileza do serviço prestado, e eles não veem nenhum motivo para se ofender.
Enquanto isso, outra palavra, embora tenha o seu próprio e sólido verbete, começa a se evaporar da língua: suborno. Diz o "Aurélio": "Suborno. Ato ou efeito de subornar". Subornar: "Dar dinheiro ou outros valores para conseguir vantagens; coisa oposta à justiça, ao dever ou à moral". Por extensão: aliciar, corromper, comprar. Não se faz isso com os queridos garçons. Faz-se com políticos, executivos e gente do governo.
Donde o que tem corrido solto no Brasil é suborno mesmo, não propina. Não que faça diferença, claro.
Apenas para que os cartunistas do futuro não cometam a injustiça de desenhar Lula de paletozinho branco meio amarrotado e borboleta preta, palito à boca, toalha no braço e bandeja na mão, servindo mesas.
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