Bernardo Mello Franco - Folha de S.Paulo
Nas noites de Brasília, cheias de mordomia, todos os gastos são pardos. A frase de Millôr Fernandes provou sua atualidade nas últimas horas de segunda-feira (19). Por muito pouco, a Câmara não aprovou uma anistia a todos os políticos flagrados na prática de caixa dois.
O coelho saiu da cartola quando o plenário se encaminhava para a última votação do dia. Na pauta oficial, havia uma medida provisória sobre despesas com a Olimpíada. Na paralela, escondia-se uma tábua de salvação para investigados da Lava Jato.
A manobra foi ardilosa. Seus autores desengavetaram um projeto antigo, de 2007, que prometia punir quem faz caixa dois. O diabo morava no detalhe. A pretexto de moralizar as campanhas, o texto perdoaria os políticos que já receberam dinheiro "por fora" em eleições passadas.
A operação fracassou graças a um pequeno e barulhento grupo de deputados. O primeiro a protestar foi Miro Teixeira, da Rede. "Nós não estamos aqui para nos lançarmos num poço de suspeitas", reclamou.
Ivan Valente, do PSOL, foi mais direto: "Isso é uma falcatrua, um escárnio, uma bandalheira para livrar a cara de dezenas de parlamentares". Coube a Esperidião Amin, do PP, a melhor definição para a tramoia. "É o golpe da madrugada", cravou.
Com o plenário em chamas, ninguém quis se responsabilizar pelo incêndio. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, estava convenientemente refugiado no Planalto. Os líderes que apoiam o governo silenciaram. A bancada do PT sumiu misteriosamente de cena. O deputado Beto Mansur, que comandava a sessão, foi obrigado a retirar o texto da pauta.
Aos poucos, ficou claro que havia um acordão entre os grandes partidos, igualmente interessados num perdão ao caixa dois. A anistia ficou mais urgente por causa da delação da Odebrecht, que promete arrastar políticos de várias legendas. Quando menos se esperar, os deputados tentarão de novo. Eduardo Cunha pode ter caído, mas o cunhismo continua
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