Bernardo Mello Franco - Folha de S.Paulo
No momento mais dramático de sua carreira, o ex-presidente Lula entra em duas batalhas simultâneas. Sua prioridade é se defender da Lava Jato, que ameaça levá-lo para a cadeia e suspender seus direitos políticos. Ao mesmo tempo, ele tentará salvar o mito que começou a construir há mais de três décadas, nas greves do ABC.
Lula superou a miséria, enfrentou a ditadura, fundou um grande partido e se tornou o primeiro operário a chegar à Presidência da República. Essa trajetória épica foi posta em xeque pela denúncia da força-tarefa de Curitiba, que o acusou de ter sido o "comandante máximo" de um esquema bilionário de corrupção.
Num longo discurso de defesa, o ex-presidente apelou à emoção e chorou ao menos três vezes diante das câmeras. Ele disse ser inocente, lembrou a infância pobre e reclamou de desrespeito à sua família. As lacunas da acusação e a agressividade dos procuradores o ajudaram a se apresentar como vítima de excessos.
"A perseguição contra mim é por causa das coisas boas que nós fizemos neste país", discursou, sem responder a perguntas sobre as acusações. A fala ofereceu novo mote à militância petista. A ordem é apresentar a ofensiva da Lava Jato como prova de um "golpe continuado" —que, depois de cassar Dilma Rousseff, tentaria tirar Lula da eleição de 2018.
Num primeiro momento, o bombardeio tende a servir de alívio ao governo. Nas últimas semanas, a esquerda começava a voltar às ruas com duas bandeiras: "Fora Temer" e "Nenhum direito a menos". Agora o PT e o lulismo serão empurrados mais uma vez para a defensiva.
Por outro lado, líderes da nova ordem admitem que a agressividade dos procuradores e a defesa emocional de Lula podem virar parte da opinião pública a favor do ex-presidente. Isso ajuda a explicar por que grão-tucanos como Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves adotaram tom de cautela e evitaram comemorar a denúncia contra o velho rival.
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