Folha de S.Paulo – Reynaldo Turollo JR e Rubens Valente
Mais contundente investigação contra a corrupção do país, a Lava Jato representa também a maior prova de fogo da história do STF (Supremo Tribunal Federal) na área criminal. O tribunal terá que decidir sobre pelo menos três temas que poderão abalar a investigação ou, no sentido contrário, consolidá-la.
No Supremo, o direito produzido pela Lava Jato ainda é uma incógnita em pontos fundamentais, projetando sombras de dúvidas também sobre outras investigações.
Ao mesmo tempo em que têm de lidar com a pressão popular para uma solução do caso, os ministros do STF deverão decidir sobre questões a respeito das quais não existe uma jurisprudência acima de divergências internas.
Exemplos são a mecânica e os limites dos acordos de delação premiada, a possibilidade de execução de prisão provisória após condenação em segunda instância —tema que parecia superado—, e um prazo máximo para as prisões preventivas, assunto que está fora da pauta oficial mas que, segundo aFolha apurou, tem surgido recentemente nos bastidores do tribunal.
Embora o STF já tenha tratado desses tópicos em julgamentos anteriores, recentes decisões de ministros ou de turmas criaram um ambiente de insegurança jurídica.
Episódio de relevo foi a decisão do ministro Ricardo Lewandowski de devolver à PGR (Procuradoria-Geral da República) o acordo de delação do publicitário Renato Pereira, por considerá-lo fora do padrão legal. Termos idênticos, contudo, integram outros acordos de delação que já haviam sido homologados pelos ministros Teori Zavascki, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Uma decisão final do STF contrária ao poder dado ao Ministério Público Federal de negociar penas de réus colaboradores poderia até abrir espaço para revisão de homologações já realizadas, a depender da força de advogados e políticos investigados. A tese, porém, ainda não passou pelo plenário do tribunal.
"A corte tem que se manifestar. O Supremo ainda não se manifestou pelo seu plenário, que é por onde o tribunal fala", diz o ex-ministro do STF Carlos Velloso, que atuou na corte de 1990 a 2006.
O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot (2013-2017) disse à Folha, na sexta (17), que a decisão de Lewandowski, se mantida, poderá inviabilizar novas delações. "Como fazer um acordo penal, que se aplica em casos de organização criminosa —em que falou, morreu—, se você não dá nenhuma garantia ao réu de que o Estado cumprirá a parte dele naquilo que está sendo ajustado?"
Ayres Britto, ministro do STF de 2003 a 2012, diz que qualquer que seja a decisão tomada no futuro, ela não abalará o instituto da colaboração premiada. "Ele veio para ficar. É um instituto importado dos EUA. Como não tínhamos familiaridade com ele, natural que passássemos a bater cabeça aqui e ali. Mas, com o passar do tempo, as coisas vão sendo aperfeiçoadas."
Um ministro do STF, que falou sob condição de anonimato, disse que "casos atípicos" não podem servir para formar jurisprudência no tema das delações. A investigação sobre a JBS, ainda mal esclarecida e cheia de "complexidades e peculiaridades", não deveria ser usada como paradigma para assentar o modelo das delações.
O ministro Gilmar Mendes, que fez diversas críticas públicas a Janot, tem procurado mostrar a delação da JBS como um caso emblemático dos problemas do instituto.
Mendes também já deu sinais de que poderá rever seu voto em sessão do tribunal que havia autorizado a execução de pena já a partir de condenação em segunda instância, antes de esgotados todos os recursos.
"É preocupante essa possibilidade de revisão. Espero que se pacifique esse tema para sempre, que seja incorporado como um dado da cultura brasileira", disse o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles (2003-2005).
Para ele, o legado da Lava Jato é "mostrar que o direito penal recai sobre toda e qualquer pessoa. Antes era comum se dizer que a Justiça só funcionava com os três 'pês', pobre, preto e prostituta. Era um direito discriminatório. Não podemos retroceder".
Um ministro do Supremo disse não ver motivos para uma rediscussão sobre o cumprimento provisório da pena porque "não houve nada de novo que a justifique" e "a única coisa que mudou [de 2016 para cá] foram os réus que chegaram ao STF".
FORO PRIVILEGIADO
O alto número de políticos citados no escândalo —há 95 acusados e 603 pessoas investigadas no STF— gerou expectativa de condenações que, até agora, não se confirmaram.
Levantamento feito pela Folha indica que, desde julho de 2014, foram abertos no STF 164 inquéritos derivados da Lava Jato. Esse número é maior do que todos os inquéritos abertos ao longo do ano de 2016 no tribunal (135).
Do total aberto, há 127 em andamento e 33 encerrados por motivos diversos.
De 2015 até agora, apenas seis casos se transformaram em ação penal. Não há nenhuma condenação.
A diferença da velocidade processual na comparação com a primeira instância do Paraná é uma pedra no sapato do STF. Enquanto o juiz federal Sergio Moro leva, por exemplo, menos de uma semana para decidir sobre uma denúncia do Ministério Público Federal, no STF o pedido pode levar meses.
Pelo levantamento da Folha, há hoje 16 denúncias da PGR à espera de julgamento no STF. Ministros e ex-ministros passaram a pedir abertamente mudança na aplicação do foro privilegiado. Para Velloso, "é dever do Supremo encarar este problema de frente", pois a corte "não tem vocação para ser vara criminal" e os ministros, "por mais que se esforcem, não vão dar conta de julgar esse número inusitado de ações penais".
Ayres Britto sugere que o STF mire o exemplo do julgamento do mensalão, em 2012, e comece a trabalhar com a ideia de um esforço concentrado para a Lava Jato.
"O julgamento do mensalão foi uma virada histórica de página. O Supremo poderia olhar para sua própria experiência acumulada."
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