Estadão – João Domingos
Há um certo entusiasmo entre os mais afoitos defensores de Dilma Rousseff com a promessa de que ela irá à sessão do impeachment para fazer a própria defesa. Dizem até que a presidente afastada conseguirá reverter votos a seu favor caso, no teatro da política, consiga apresentar-se a todos os que acompanharão o julgamento pela TV não como ré do processo de impeachment, mas vítima de uma trama macabra.
O alvoroço é ilusório
Presente ou não ao julgamento, faça feio ou bonito, a possibilidade de Dilma alcançar os 28 votos favoráveis à sua absolvição continua remota. Os petistas e a própria presidente afastada sabem disso.
A presença dela na sessão do julgamento tem outra motivação. Há tempos Dilma desistiu de lutar para preservar o mandato. Ela luta é para limpar a biografia. Por isso diz que não cometeu nenhum tipo de crime, nem de responsabilidade nem comum. Por isso diz não ter contas bancárias no exterior. Por isso insiste na tese de um golpe urdido pelo vice e pelo deputado afastado Eduardo Cunha, que Dilma tenta vender para as gerações futuras como o mais sinistro personagem surgido na política brasileira nos últimos tempos, esse sim, dono de contas no estrangeiro.
Dilma não se importa nem mesmo com a possibilidade de perder os direitos políticos até 2026, caso sofra o impeachment. A política não faz parte da vida dela. Dilma caiu na política por um acaso, por um capricho do ex-presidente Lula. Poderia ter passado para a História como uma moça idealista que, como tantos outros brasileiros, pegou em armas para combater a ditadura, foi presa e torturada, sobreviveu e hoje é uma das heroínas da conquista da democracia. Mas caiu na lábia de Lula, aceitou ser candidata a presidente e agora está aí, expiando pecados que, acha ela, nem eram seus, mas do PT.
Essa é a motivação de Dilma. Por isso mesmo ela decidiu ir ao Senado para ver de perto a sessão que vai julgá-la. Dilma encontrou uma maneira de deixar um marco para o futuro. Assim como um dia enfrentou a ditadura militar, o tribunal de exceção que a julgou e condenou, ela vai ao Senado fazer o registro final de sua passagem pela vida pública. Como vítima. De novo.
Assim como a política é feita de artimanhas quando nos bastidores, quando em público é feita de gestos, é alimentada por símbolos.
Se quisesse lutar pelo mandato, Dilma não teria se recolhido ao Palácio da Alvorada, fazendo-se prisioneira de si mesma. Se quisesse lutar pelo mandato, Dilma poderia ter ido todos os dias ao Senado, sozinha ou acompanhada pela pequena multidão com a qual deixou o Palácio do Planalto no dia do afastamento. Dilma acreditou que era vítima e que não precisaria lutar. Acreditou ter o apoio da população, mesmo com popularidade lá embaixo.
Perguntei ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) pelas massas que ocupariam as ruas para defender Dilma. Ele respondeu: “Não estamos mais conseguindo mobilizar ninguém”. Perguntei ao ex-ministro Miguel Rossetto, o mais próximo conselheiro de Dilma, por que o poder tinha sido tirado tão facilmente das mãos do PT, sem nenhuma resistência, sem nada. Ele disse: “Porque não temos 10% de apoio. Não temos as ruas. Porque os golpistas têm mais força do que nós”.
Dilma vai gerar fatos e imagens para os que forem estudar História do Brasil no futuro com a decisão de ir ao Senado fazer pessoalmente sua defesa.
Mas a decisão dela terá consequências para si mesma. A presença de Dilma diante de uma corte formada por 81 jurados (os senadores), presidida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, diante da qual ela poderá se defender do jeito que quiser, vai enfraquecer a tese do golpe. Ao se fazer presente à sessão, Dilma dirá que legitima seu julgamento.
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