Igor Gielow – Folha de S.Paulo
Em seu segundo pronunciamento sobre a crise da delação da JBS, Michel Temer encontrou um fio narrativo para se apegar, apostando na clássica desqualificação dos acusadores e de seus métodos, além de piscar para a elite política e empresarial que serviu de esteio para seu frágil governo até aqui.
Ao jogar a bola para o Supremo Tribunal Federal, pedindo a suspensão do inquérito contra si, Temer se apega corretamente à parte mais controversa das acusações que sofreu: a questão do áudio gravado pelo empresário Joesley Batista. De fato, na gravação não há o raciocínio explícito da compra de silêncio de Eduardo Cunha. Se há cortes ou edição, conforme peritos sustentam, eles não pioram a situação do presidente nesse ponto específico.
Em termos retóricos, o peemedebista também acertou ao insistir naquilo que todo motorista de táxi, para usar o mais batido termômetro de opinião pública viciada conhecido, já perguntou: e os delatores, o que estão fazendo livres em Nova York, ganhando dinheiro com a turbulência econômica decorrente da sua caguetagem? É uma pergunta justa, que coloca pressão sobre os métodos da Procuradoria-Geral da República de forma muito assimilável pelo grande público —a imagem de "crime perfeito" é pop.
Por outro lado, nenhum desses movimentos altera a gravidade da crise e dos fatos narrados. Temer insiste que não levou a sério a "fanfarronice" do "falastrão" que recebeu quase às 23h nas penumbras de sua casa, mas é inegável que Joesley narrou uma trama criminosa ao presidente, que limitou-se a aprovação tácita ("ótimo, ótimo").
Além disso, o presidente é acusado de coisa pior no corpo do inquérito no qual os irmãos da JBS e seus funcionários se voluntariaram como delatores. Não há tanta materialidade como a existente contra outros políticos, como notas fiscais frias, contratos advocatícios mentirosos e um detalhamento em planilhas que não deve nada à meticulosidade dos nazistas que documentavam os passos do Holocausto. Mas há fatos a serem apurados.
Aqui a aposta de Temer de que o STF começará a baixar a fervura da crise é central. Se suspender o inquérito, a corte arrisca colocar automaticamente em dúvida todo o trabalho da PGR, pois o velho provérbio chinês continua valendo: se você coloca um pedaço de carne podre na panela, estraga todo o cozido. Claro, são casos diferentes, mas do ponto de vista de opinião pública a coisa será lida assim; é demais pedir racionalidade analítica em tempos de Facebook.
Tudo isso conversa com os anseios da maioria que coabita com o governo no Congresso, louca para achar um discurso de saída da crise —vide a reticência do PSDB, que ora promete deixar Temer, ora se diz ligado umbilicalmente ao programa de reformas. Com o Congresso enrolado e com as ruas sofrendo de abulia, sem nenhum tipo de grande manifestação fora dos guetos da esquerda igualmente chicoteada pela delação, reclamar do mensageiro parece uma boa tática.
O presidente reforçou o apelo ao empresariado ao falar da melhora econômica que, se não é sustentada ainda por números robustos, é sentida de forma incipiente e carrega alguma expectativa de recuperação. Se não surgirem fatos novos judiciais, há a possibilidade até de que a classe política acabe cedendo e aprovando as reformas impopulares previdenciária e trabalhista, para garantir justamente a sobrevivência do arranjo de governabilidade possível até 2018.
Pode ser, embora a Lava Jato tenha se mostrado prodigiosa em surgir com fatos bombásticos. Por fim, um avanço de comunicação tímido: Temer voltou a dizer que não vai renunciar, mas pelo menos desta vez foi aconselhado a não usar a palavra maldita. Esperemos o próximo capítulo.
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