Bernardo Mello Franco - Folha de S.Paulo
A dois dias de entregar o cargo, o agora ex-ministro Joaquim Levy reclamou do noticiário de que deixaria a Fazenda. "Eu continuo alheio a este folhetim", desdenhou. Na sexta, veio a confirmação: Levy está fora do governo.
As especulações sobre a iminente queda do ministro se tornaram tão comuns que deixaram de ser levadas a sério na capital. Levy colaborou ativamente com a novela, ao ameaçar sair a cada vez que era contrariado pelo Planalto ou pelo Congresso.
Segundo ex-auxiliares, o economista escreveu ao menos duas cartas de demissão, sem tirá-las do bolso. Preferiu ficar, sentindo-se recompensado por elogios públicos da chefe.
Doutor pela escola liberal de Chicago, Levy era um estranho no ninho dilmista. Encarnava a fé religiosa no ajuste fiscal e no Estado mínimo, comungada pelo mercado financeiro e blasfemada pela esquerda que elegeu e reelegeu a presidente.
Numa narrativa folhetinesca da economia, desempenhava o papel de infiltrado tucano no governo petista. O economista Armínio Fraga, ex-candidato a ministro de Aécio Neves, chegou a descrevê-lo como um espião da CIA na direção da KGB.
Levy não foi o único a mudar de lado. Ao bancar sua receita amarga, que incluiu cortes sociais, Dilma rasgou o programa de 2014. Com razão, foi acusada de estelionato eleitoral.
Nos 347 dias em que ficou no cargo, o ministro não conseguiu cumprir o que prometeu. Anunciou uma "travessia" para o crescimento, mas só entregou recessão; vendeu prestígio no exterior, mas assistiu ao rebaixamento do país nas agências de risco. Agora deve voltar à banca, único setor que continuou a lucrar na crise.
Os roteiristas da novela econômica se dividem entre os que culpam Levy pelo fracasso e os que dizem que ele foi vítima de boicote. O desenvolvimentista Nelson Barbosa ainda não assumiu seu lugar, mas os porta-vozes do mercado já começaram a escrever o novo folhetim. A ele, parecem ter reservado o papel de vilão.
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