Na mídia nacional, fui o primeiro jornalista a noticiar que o sumiço do ex-senador Marco Maciel foi forçado pelo agravamento do mal de Alzheimer, doença que provoca perda de memória. Os veículos do Sul maravilha, finalmente, romperam o silêncio em relação ao quadro de saúde do ex-vice-presidente da República. Coube à jornalista Mariana Sanches, de O Globo, a iniciativa. Em reportagem publicada com destaque na edição de ontem, disse que Maciel retirou-se da vida social, perdeu para a doença o entendimento político e o interesse pelos assuntos públicos.
Mariana esteve com Maciel e se comoveu com a sua dor e o seu drama. “Enquanto o noticiário da televisão atualiza a situação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e as supostas manobras do vice Michel Temer para ocupar seu posto, Maciel cerra os olhos em frente à TV e não expressa qualquer opinião. Se lembra de alguma coisa, ele não demonstra nada. Do meio do ano para cá, ele só responde raramente, e sempre por monossílabos. Se já era calado, agora é mais ainda.
“Meus filhos dizem para eu parar, mas sempre comento com ele: “Viu o que aconteceu com a política, viu isso ou aquilo?”, recebo de volta o silêncio — conta a mulher de Maciel, Ana Maria, companheira de mais de meio século e responsável por comandar a equipe de cuidadores que se reveza na atenção ao ex-vice-presidente, na sua residência em Brasília.
Nos dois governos FH, Maciel, em média, ficou à frente da Presidência um dia por semana. De estilo discreto, Maciel, em média, governou o País por um dia a cada semana que Fernando Henrique Cardoso esteve na Presidência, entre 1995 e 2002, devido às viagens do titular. Quando não despachava como chefe de Estado interino, gostava de ficar em seu gabinete no subsolo do Palácio do Planalto, em estratégica posição para, literal e figurativamente, não fazer sombra ao titular.
Sua importância para a governo tucano fica evidente pela quantidade de menções a ele no recém-lançado diário de FH para os dois primeiros anos de gestão: Maciel aparece 122 vezes nas mais de 900 páginas. O então presidente o qualificava como “coordenador político” do Governo no Congresso e não era incomum a romaria de parlamentares ao gabinete do vice.
Peça importante na eleição de Tancredo Neves, na gestão José Sarney Maciel chefiou a Casa Civil. Foi ele quem ajudou a conter os ímpetos do então senador Antônio Carlos Magalhães, que agia com eventual rebeldia no Congresso, e a conter crises como o escândalo da Pasta Rosa, sobre financiamento ilegal de campanha de aliados.
Durante o regime militar, foi um entusiasta da volta à democracia. Obcecado com o tema da reforma política, que considerava urgente, ele não pôde acompanhar as discussões comandadas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre o assunto no primeiro semestre deste ano.
“Ele ainda recebe alguns poucos amigos em casa, mas fica sentado e calado durante todo o tempo — diz Ana Maria, que já chegou a representar o marido em eventos do DEM. Marco Maciel atuava para debelar crises com o senador Antônio Carlos Magalhães, que eventualmente jogava o Congresso contra o governo FHC. Durante quase cinquenta anos, Maciel começava a rotina com a leitura de seis jornais, que recortava e rabiscava, e partia para suas articulações políticas.
Chegava em casa tarde da noite, mas a tempo de conversar amenidades com a mulher. Perdeu a primeira eleição aos 70 anos. Depois da derrota, parecia abatido. Uma depressão começou a ser tratada. Já era sinal de Alzheimer. A doença evoluiu a ponto de tirar-lhe as iniciativas. Ana Maria precisa prestar atenção a pequenos sinais para saber se ele está doente ou com fome.
“É uma pena que você não possa conversar com ele sobre política. Eu sei que ele gostaria. Vivemos uma ausência de alguém que está presente — lamentou Ana Maria, dirigindo-se à repórter. Pena maior, na verdade, é Maciel entrar na terceira margem do rio, fazer a última viagem, sem poder escrever suas memórias.
Extraordinariamente ricas, vale a ressalva. Ninguém como ele viveu tantos bastidores nos mais importantes momentos da Nação, da ditadura à redemocratização. Ocupou todos os cargos sonhados por um político: deputado estadual, deputado federal, governador, senador, ministro, vice-presidente e presidente da República em exercício. Alguém pode jogar pedras nele?
Do ponto de vista ideológico, sim. Moral, não. Nunca se viu em todo o curso da sua história, longa, diga-se de passagem, envolvido em qualquer tipo de maracutaia. Um homem de bem, honrado.
Comentários
Postar um comentário