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As artimanhas de Eduardo Cunha e o choro do deputado

Por Sérgio Mauro, em artigo enviado ao Blog de Jamildo
Dia 1/6, ao terminar de ler o relatório que recomenda a cassação de Eduardo Cunha, ex-presidente do Senado, o relator, deputado Marcos Rogério, se emocionou e quase chorou na frente de todos. O pranto do deputado soou como um tremendo desabafo, sendo mais do que justificável, pois há seis meses os congressistas tentam driblar as artimanhas de Cunha, que, diante de provas irrefutáveis, continua negando participação em falcatruas que lhe renderam alguns milhares (milhões?) de dólares. Cabe indagar por qual motivo Cunha conseguiu resistir tanto e de onde proveio sua força política para se manter no cargo até o impeachment de Dilma Roussef.
Na verdade, o que ficou bastante nítido no recente processo de impeachment foi a sua semelhança com o que afastou Collor da presidência no início dos anos 90. Em ambos os processos, havia um clima de insatisfação popular provocado por profunda crise econômica, além da existência de projetos de vingança pessoal, por motivos íntimos e familiares, no caso de Collor, e por retaliação política, no caso de Dilma. Explico-me: Pedro Collor fez denúncias para se vingar do próprio irmão, enquanto Eduardo Cunha estimulou e quase viabilizou o processo que culminaria no impeachment (ainda não completamente consolidado) de Dilma por ter se sentido abandonado ao seu próprio destino pelo Chefe de Estado. Na minha opinião, em ambos os casos, o impeachment foi providencial e necessário, para afastar dois governos, cada um a seu modo, envolvidos em casos de corrupção e notoriamente incompetentes para enfrentar as graves crises econômicas, mas a verdadeira motivação não foi apenas a defesa de ideais democráticos ou da honestidade na política, e sim um desejo de vingança.
Collor esqueceu-se certamente da lição que se deve tirar do episódio bíblico em que Caim matou Abel. Dilma, por sua vez, subestimou o desespero do “súdito” Eduardo Cunha, não acreditando que ele fosse capaz de tamanha proeza. Na verdade, se Dilma tivesse lido e corretamente interpretado Guicciardini (1483-1540), historiador e pensador italiano, talvez estivesse ainda no poder. De fato, na reflexão 105, do seu livro intitulado Ricordi (Reflexões), ele afirma categoricamente: “Há uma grande diferença entre ter súditos descontentes e tê-los desesperados: o descontente, ainda que deseje prejudicar-te, não se expõe imprudentemente ao perigo, mas espera as ocasiões, as quais às vezes nunca chegam; o desesperado as vai procurando e solicitando, e precipitadamente entra em esperanças e tramas para derrubar o governo. E por isso raramente deves evitar aquele, mas este é preciso sempre evitar” (trad. minha).
Pois bem, havia uma legião de descontentes esperando a ocasião que talvez nunca se concretizasse para derrubar Dilma, mas tudo realmente aconteceu principalmente por causa da ação de um desesperado (e acuado) que, até obtê-la, incessantemente a procurou. Eduardo Cunha não se conformou com a ruptura de uma espécie de pacto de silêncio, pelo qual ele jamais seria questionado sobre os seus negócios escusos e sobre as suas contas bancárias gordas na Suíça, e, em compensação, impediria ou desestimularia o afastamento da presidenta (ou presidente, como querem certos gramáticos ortodoxos). A inabilidade política de Dilma (e de assessores diretos), que certamente não leu (não leram) nem Maquiavel, nem muito menos Guicciardini, o levou ao desespero e, por consequência, à vingança.
Há males que vêm para o bem, como diz a sabedoria popular. Graças às contendas familiares dos Collor e ao desespero de Cunha, ficamos livres de dois governos ineficientes e corruptos. No entanto, urge repensar o presidencialismo no Brasil, pois se dependermos dos sentimentos de vingança para que governos ineptos abandonem o poder, nunca alcançaremos a tão desejada maturidade política. Talvez a solução passe por profundas mudanças no nosso presidencialismo, relativizando e diminuindo o poder presidencial, evitando também as reeleições, ou pela adoção pura e simples do parlamentarismo. É esperar, ou melhor, é tentar para ver.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

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