Por Lucas Ambrózio – Blog Legis-Ativo
O governo do presidente Temer adotou no último mês a estratégia de utilizar o mote do combate aos privilégios para defender a PEC da Reforma da Previdência. Este tornou-se o eixo central de uma robusta ação de comunicação nos veículos de imprensa e a linha argumentativa mobilizada pelo governo e os parlamentares de sua coalizão. Apesar de o tema não ter avançado em 2017, o governo prevê uma última tentativa de retomada da reforma da previdência em fevereiro do próximo ano.
A ideia do corte dos privilégios está sobretudo associada aos trabalhadores do serviço público. Entretanto, para além da discussão rasa e atropelada trazida pela PEC da reforma da previdência é preciso que nos aprofundamos mais sobre o tema, entendendo o que aconteceu nos últimos anos e pactuando ajustes, ainda que profundos.
Nas últimas décadas, o Brasil passou por um momento de expansão das carreiras do serviço público. Esta expansão se deu sobretudo nas áreas de políticas sociais (educação, saúde e segurança) e de infraestrutura (empresas estatais e projetos como os do Programa de Aceleração do Crescimento), mas do ponto de vista relativo aumentou o número de trabalhadores em praticamente todas as áreas do governo. Várias carreiras foram reestruturadas e outras tantas foram criadas.
De fato, o Brasil tinha, e ainda tem, um número bastante insuficiente de trabalhadores no serviço público, ainda mais para um país em desenvolvimento e com sistemas de políticas públicas tão ousados, principalmente o modelo universalista da saúde e os desafios crescentes de expansão da política de educação (desde a educação infantil até a universidade, passando pela educação de tempo integral no ensino fundamental e médio). Este diagnóstico que contraria o mito do inchaço do setor público no Brasil pode ser confirmado por qualquer comparação entre o número de servidores públicos no Brasil e o de outros países em desenvolvimento ou mesmo os países da OCDE (países mais desenvolvidos).
Este movimento foi descrito e analisado por diversos pesquisadores através de vários conceitos: construção de capacidades estatais, neo-desenvolvimentismo, construção de sistemas nacionais de políticas públicas, etc. Todos eles destacam a importância da expansão do serviço público das últimas décadas e apontam para uma necessidade ainda forte de seguir nesta construção.
Entretanto chegamos em uma grande encruzilhada. Se é verdade que as últimas décadas trouxeram grandes avanços do ponto de vista da expansão do serviço público e da atração de talentos para o setor público, por outro lado é também verdade que pouco se avançou na discussão de ferramentas para dar mais responsabilização aos agentes públicos, avaliar seu trabalho e aumentar seu potencial de realização e produção (produtividade). Além disso, esta mão-de-obra encareceu. Muitas carreiras no setor público tiveram ganhos muito acima da inflação, sobretudo no serviço público federal. Segundo relatório publicado pelo Banco Mundial no mês passado, no Brasil os trabalhadores do setor público ganham em média 67% mais do que os da iniciativa privada. De fato, não há nada que justifique diversas carreiras públicas com salários iniciais entre 15 e 22 mil reais, para profissionais com pouca experiência.
Estabelecido o caos, é chegada a hora de construirmos uma discussão profunda sobre uma reforma do serviço público capaz de incidir tanto sobre mecanismos e instrumentos para o aumento da produtividade do trabalhador como capaz de reduzir os desequilíbrios com o mercado de trabalho privado. Neste sentido é preciso que o Legislativo se aproprie deste tema, em geral ainda muito pautado pelas ações de curto prazo do Executivo e pelos interesses sindicais.
Desejamos que no próximo ano este tema ganhe força no debate público e nas agendas das casas legislativas. Os que têm a missão de pensar a entrega dos serviços públicos que a sociedade brasileira tanto demanda e carece também terão de discutir os custos. Já não há mais espaço para encarecer.
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