Celso Rocha de Barros – Folha de S.Paulo
Na última segunda argumentei que o discurso atual de Lula –bem à esquerda do que foram seus governos– pode ser bom para várias coisas. Serve para ganhar votos em cima da rejeição a Temer, para eleger uma boa bancada parlamentar para o PT, para ajudar o partido a reconquistar a liderança da esquerda nacional. Mas não serve como ponto de partida para um eventual terceiro governo Lula.
Também expressei meu temor de que Lula planeje, se eleito, interferir nos rumos da Lava Jato.
No dia seguinte, a assessoria de Lula enviou à Folha uma réplica, em que procura responder meus dois argumentos.
No que se refere ao risco da eleição de Lula para a Lava Jato, a assessoria do ex-presidente lembra que os governos petistas promulgaram leis que tornaram a Lava Jato possível e tiveram uma atitude geral de respeito à autonomia dos órgãos fiscalizadores. As críticas de Lula à Lava Jato estariam limitadas à "desnecessária e irresponsável destruição de cadeias produtivas" e ao "desvio da operação para a busca de manchetes na imprensa".
Tenho certeza de que o custo econômico do desmonte de cartéis pela Lava Jato foi alto, e deve ser parte da explicação da profundidade da recessão recente. Esse é, a propósito, um bom argumento para não parar a operação no meio: já pagamos seu custo, vamos desistir antes de colher seus benefícios?
Também concordo que, sobretudo no processo em que Lula é réu, houve politização e exageros midiáticos: a condução coercitiva, o PowerPoint, tudo isso foi o pessoal da Lava Jato tentando jogar na arena política, onde eventualmente seriam surrados pelo PMDB.
Por outro lado, seria ridículo negar que, enquanto alguns petistas, atendendo a pressões da sociedade civil, procuravam aperfeiçoar os mecanismos de combate à corrupção, muitos outros petistas participavam ativamente do saque ao patrimônio público organizado pelo cartel das empreiteiras.
E, como notou recentemente o filósofo Ruy Fausto, a autocrítica do PT após o impeachment foi o contrário da que seria necessária: o certo seria valorizar o que houve de positivo no combate à corrupção e afastar os quadros envolvidos em falcatruas. Ao invés disso, os acusados continuam lá, e documentos do partido lamentam que os governos petistas não tenham impedido "a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal" (Resolução de Conjuntura de Maio de 2016, p. 4).
A Lava Jato cometeu erros, inclusive contra Lula, mas a discussão sobre a operação dentro da esquerda brasileira atual é muito ruim.
Quanto às reformas: a assessoria acerta ao lembrar que Lula realizou, "democraticamente' –o contraste com o quadro atual é pertinente– a reforma das aposentadorias dos servidores públicos em 2003. Mas a sugestão de que crescimento mais rápido taparia o deficit não sobrevive a nenhum cálculo sério. Se Lula vencer em 2018, terá que reformar a Previdência, e Lula certamente sabe disso.
Enfim, continuo vendo no discurso petista atual um sintoma de que o partido espera que Lula não poderá concorrer. A velocidade recorde com que vem tramitando o recurso do ex-presidente sugere que o cálculo petista está correto. Essa mesma celeridade, reconheço, enfraquece minha defesa da Lava Jato.
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