Ayrton Maciel
Há nove meses o mote mais repetido no Congresso Nacional, na mídia tradicional e nas redes sociais é o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). O tom é sempre ameaçador, alardei com se (o ato) estivesse à beira do desfecho, incutindo a impressão de que a sua queda representará a panacéia (automática) de todos o problemas do Brasil. De sobra, a morte do seu partido, o PT. Partidários e eleitores da presidente optaram pela passividade das palavras, o que é mais sensato. O silêncio pode significar qualquer coisa – tudo ou nada -, por isso quem discursa sente-se incentivado a reproduzir o discurso.
Nesse período, há uma procura desesperadora por se encontrar algo que justifique o impeachment, principalmente descobeta e exposta teia do Petrolão. Como não se encontrou, até o momento, investe-se na responsabilização da presidente por pedaladas fiscais, irregularidades que têm registro no Tribunal de Contas da União (TCU) desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi repetida por Lula e incrementada por Dilma. O mesmo TCU – que agora sinaliza que vai condenar – aprovou nos governos anteriores e tolerou nos primeiro anos da petista. Afinal, a sentença é uma questão matemática: quem pedala menos e quem pedala mais?
Nesses nove meses, a pergunta-chave permanece sem resposta: todo governo impopular deve sofrer impeachment? Na busca por uma causa, alegadas incompetência para governar e insegurança para decidir alimentam o desesperado objetivo. Ou seja: o País pode demitir uma presidente como se demite o presidente de uma empresa.
É de se pensar o que seria de um George Bush, o filho, no Brasil, que jogou o País em duas guerras – Iraque e Afeganistão -, enterrou mais de cinco mil norte-americanos e desestabilizou toda uma região, um custo monumental no orçamento dos EUA e um custo na segurança e nas finanças dos países aliados que agora a Europa começa a pagar, com a imigração descontrolada de quem quer fugir do caos. Bush quebrou a economia norte-americana, que ainda arrasta-se para se estabilizar, e jogou o mundo numa crise. Lá, não fez o sucessor (Obama recebeu a conta); aqui, Bush receberia o impeachment?
Como o Brasil não é os Estados Unidos, com dois séculos de democracia, imagina-se que o impeachment de uma presidente, por todas as questões do mundo, exceto a que se procura desde janeiro – a cumplicidade no Petrolão – é apenas uma questão de votos de dois terços do Congresso Nacional. Que não ficará trauma, que não não haverá protestos nem resistência e que, se houver, “problema social é problema de polícia”. Pode ser.
Imagina-se, também, que não haverá consequências internacionais. Que países alinhados politicamente, como Chile, Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela, engolirão a ruptura de um mandato de uma aliada sem protestar, sem consequências econômicas e nas relações imediatas. Pode ser, mas é um risco. As fronteiras do mundo aceitariam uma ruptura democrática, que gere instabilidade política e repressão?
O momento atual remete a dois fatos históricos do País, ressalvando-se as épocas e suas circunstâncias, porque períodos históricos não podem nem devem ser comparados sem os contextos. Os dois episódios geraram, como consequências, duros e longos dias e noites, que demoraram a ser superados. O mais recente, ainda exibe sequelas que só serão superadas pelas futuras gerações, mas a história preservará como um momento tenebroso do País.
Em 1937, Getúlio Vargas – baseado em uma farsa, a de um plano comunista em andamento para tomar o poder – cancela a eleição presidencial de 38 e instala o Estado Novo. Foram oito anos sob censura e sem Legislativos. Em 1964, em um mundo polarizado, a esquerda e os sindicatos iludidos com o paraíso, não calculam limites, enquanto a direita, os militares e os EUA articulavam em nome da democracia. Um custo de 21 anos e marcas que não se apagam.
Resgatar a democracia e conquistar a sua estabilidade são lutas sem prazos. Há uma parcela do País que aposta no imponderável. Quebrar a legalidade de um mandato, mesmo que por um instrumento constitucional – o que é contraditório, mas factível – porém sem provas de responsabilidade da presidente Dilma, pode causar um alto custo ao País. Com 30 anos, a democracia brasileira corre o risco de ser ferida mortalmente ou seguir com feridas que o tempo não cure fácil e rapidamente. 2015 não é 1992. Os fatos e as circunstâncias são distintos.
Um impeachment sob acusação não comprovada, movida por vindita de uma base de apoio infiel – em parte não contenplada em seus interesses – e uma oposição que não aceita o resultado da eleição de 2014, uma parte dela ideologicamente radical, pode significar a condenação das futuras eleições ao radicalismo. É um risco: o País viver sob permanente instabilidade democrática. Qual a segurança dos futuros eleitos? A Constituição será emendada com uma proposta que diga: “os incompetentes serão depostos por impeachment”? E qual será a medida da incompetência? A impopularidade passa a ser a medida para um governante cair?
O estranho – e sintomático – é que no processo de invesrigação do Petrolão e seus tentáculos (a Operação Lava Jato) estão funcionando todas as instituições: a Polícia Federal, o Ministério Público – e Procuradoria Geral de Justiça -, a Justiça e Supremo (STF), a Corregedoria da República e o Congresso Nacional pela CPI da Petrobras. Apesar de tudo funcionar, a espera parece um tormento. Sintoma político e ideológico. Essa parcela parece preferir jogar o País no imprevisível, que pode custar muito mais que uma próxima eleição. É como se o temor fosse não encontrar nada que ligue à Dilma.
O impeachment virou o remédio para todos os males. Se Dilma cair, as investigações prosseguirão sobre todos, no Congresso, nos Estados, nas estatais e empreiteiras, até onde o último fio de meada alcançar? O contrário disso seria a constatação que o objetivo era só depor Dilma, e de quebra tirar o PT do poder sem eleições. Na queda, tudo o mais se esquecerá?
Perguntas sem respostas viram riscos. As culpas do PT pelo momento são muitas. Seus governos são carrasco da boa vontade de muitos que votavam nele sem serem petistas e de muitos que foram ou ainda são petistas. O partido é um sindicatão, repartido em tendências e com práticas sindicais orientando decisões. Assumiu o que condenava nos adversários. Os méritos sociais que o asseguram tanto tempo no poder não justificam repetir ações que acusava nos outros e que o jogam no lado sombrio da política. É só mais um partido incorporado à cultura política tradicional que reúne patrimonialismo, coronelismo, os currais…
Outra coisa é depor um (a) presidente sem comprovada responsabilidade por fatos em investigação, por instituições que estão atuando sem amarras. Isso é democracia. Esta cultura o Brasil não tem. Os riscos do atropelamento de um mandato legal e legítimo existem. O imprevisível também. O que também fica sem resposta, no momento, é a pergunta: vale a pena correr?
Comentários
Postar um comentário