Sessão plenária que elegeu Eduardo Cunha presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2015
Clovis Rossi - Folha de S.Paulo
Depois que Fernando Collor de Mello foi afastado profilaticamente da Presidência da República, PC Farias, o tesoureiro de seu esquema, obteve autorização judicial para viajar a Barcelona para investigar uma doença que se verificaria ser apneia do sono.
Era o final de 1992 e me tocou segui-lo na capital catalã. Recebeu-me no esplendoroso Hotel Ritz, num salão rococó, cheio de espelhos, lustres, cristais. Centrou a conversa nas queixas sobre os estragos que o escândalo à época batizado de Collorgate provocara nos seus negócios.
Ele percebeu que eu não estava levando a sério suas lamúrias, teve um acesso de total transparência e sinceridade, abriu os braços para mostrar os lustres, os cristais, o esplendor do Ritz e contra-perguntou: "Você acha que quem está mal de vida pode se hospedar num hotel como este?". Escrevi um texto mais tarde em que dizia que PC era trambiqueiro, mas transparente no trambique. Rememoro agora a conversa, a propósito da prisão de Eduardo Cunha, para lembrar que o ex-presidente da Câmara foi parte importante do esquema PC/Collor.
E exibiu, nesses meses todos em que esteve sob o foco dos holofotes, a mesma desfaçatez do ex-tesoureiro do esquema, morto em circunstância ainda hoje não perfeitamente esclarecidas.
Só falta a Cunha a sinceridade debochada de PC Farias.
O que me espanta é o fato de que todo o mundo político sabia (ou, ao menos, tinha a obrigação de saber) dos trambiques dos quais é acusado Eduardo Cunha e que acabaram por levá-lo à prisão. Não obstante, 267 dos 513 deputados federais —a maioria absoluta, portanto— votaram nele para presidir a Câmara.
É como se dissessem "Cunha me representa". Quando a maioria absoluta dos parlamentares escolhe alguém como Cunha como primus inter pares, é impossível não desconfiar que a podridão do sistema político brasileiro é ainda maior do que diz a sabedoria convencional.
Esquemas tipo PC/Cunha são antigos e só aumentaram a partir do instante em que o PT aderiu e passou a se lambuzar, para usar expressão de um de seus cardeais, o então ministro Jaques Wagner.
Corrijo-me: nada que venha do mundo político me espanta. Passei da idade das ilusões. Convivi com esse mundo, por obrigação profissional, tempo suficiente para esperar o pior dele, salvo em raros momentos. Na verdade, o que me espanta são os ataques à Operação Lava Jato. Não os que partem da classe política, porque, como Cunha bem avisou a propósito de sua cassação, qualquer um de seus pares poderia ser alcançado.
Logo, é natural que tentem se defender preventivamente, atacando seus presumíveis algozes.
O que me espanta, na verdade, são comentários de personalidades pelas quais cheguei a ter respeito e até admiração que se juntam ao que há de pior na política para tentar atacar a operação, quando ela começa a lancetar esse câncer que é a promiscuidade entre políticos e empreiteiras.
Criticar eventuais abusos é saudável, mas o ataque sistemático e desabrido soa como uma reabilitação póstuma de PC Farias e de seus sucessores.
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