Folha de S.Paulo – Nelson de Sá
Na longa votação, Globo, Record, GloboNews e outros canais de TV aberta e paga –à exceção do SBT, que evitou até entradas ao vivo– atravessaram tarde e noite com o sinal da TV Câmara.
Mostraram as declarações de voto, praticamente sem interrupção, sob a presidência de Eduardo Cunha. No momento da comemoração, as câmeras evitaram a reação do deputado, a imagem do impeachment.
Locutor na Globo, William Bonner mal falou nas "quase seis horas" de transmissão, até surgir, burocrático, evitando emoção: "Aí está. Neste momento, às onze horas e sete minutos, em Brasília, nesta noite de domingo, 17 de abril de 2016, a Câmara acaba de autorizar o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff".
Depois, no "Fantástico" da madrugada, até o analista Alexandre Garcia se conteve.
Os comentários se espalharam mais pelas redes sociais, desde a votação, com críticas e piadas sobre este ou aquele voto. De Glenn Greenwald, jornalista baseado no Rio, premiado nos Estados Unidos e no Brasil: "É como ver uma gangue criminosa fazer fila e, um por um, denunciar malfeitos".
De modo mais substantivo, a Agência Lupa, de "fact-checking", checagem de informações, acompanhou os votos pelo Twitter registrando as "ocorrências judiciais" de cada deputado. Um deles, que é também delegado da Polícia Federal, tinha nove.
No exterior, o "New York Times" seguiu a votação com chamada no alto da home page, descrevendo um "Brasil petrificado". O britânico "Guardian" preferiu enunciado com o país "tenso". E o francês "Le Monde" dedicou a manchete, por horas, "Brasil: atmosfera frenética".
O resultado virou manchete por toda parte. O "NYT" enfatizou sua "larga margem". O "Washington Post", o passo "crucial" no processo.
O "Wall Street Journal", além da aprovação, já deu chamada para o Michel Temer "estadista". O "NYT" tratou-o como "scholar em legislação constitucional e político experiente", mas mencionando o "esquema de compra ilegal de etanol".
NOTÍCIAS FALSAS
Confirmando fenômeno constatado pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, ligado à USP, não faltaram notícias falsas correndo o Facebook desde cedo, como "Dilma já aceita derrota e tem discurso preparado para soltar em cadeia nacional".
Foi criação do "Diário do Brasil", um dos sites denunciados no estudo, que foi noticiado pela BBC Brasil. Segundo os pesquisadores Pablo Ortellado e Marcio Moretto, "três das cinco matérias mais compartilhadas [dias antes da votação eram] boatos, informação falsa".
Para o Monitor, que também estreou página no Facebook, "o engajamento nesse tipo de informação [se deve] à disputa entre grupos pró e anti-impeachment que compartilharam o que quer que sustentasse suas narrativas". A pesquisa, baseada num sistema cedido pelo Facebook, acompanhou posts de 117 sites, inclusive de jornalismo profissional.
Em análise que publicaram no site brasileiro do "El País", os pesquisadores da USP acrescentaram que, das "cem matérias mais compartilhadas, 80% ilustravam narrativas das campanhas #ForaDilma e #NãoVaiTerGolpe".
"Em outras palavras, de cada dez matérias políticas, entre as mais compartilhadas, oito parecem estar a serviço da guerra de narrativas. Para usuários frequentes, a timeline se converteu num grande fluxo de propaganda."
Outro estudo baseado no Facebook, que tem permitido mais acesso a seus dados para levantamentos estatísticos, mostrou que dias antes da votação a rede social "contabilizava 3.449 eventos, grupos ou páginas que disputam a narrativa sobre o impeachment".
Desse total, segundo o pesquisador Fabio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, em análise na plataforma Medium, "63% são do campo de esquerda, mas o elemento governista ainda racha os movimentos nascidos após junho [de 2013]".
A divisão enfraqueceu a resistência ao impeachment. "Não é à toa que Lula agora tenta recompor essa base social fraturada, anunciando apoio a diversas pautas das quais o governo Dilma se divorciou, como é o caso de tratar o aborto como questão de saúde pública."
Comentários
Postar um comentário