Impeachment como voto de desconfiança ameaçará futuros governos
Blog do Kennedy
A Câmara dos Deputados utilizou o instrumento do impeachment no presidencialismo brasileiro como uma espécie de voto de desconfiança do sistema de governo parlamentarista.
O voto de desconfiança é usado para destituir um primeiro-ministro no parlamentarismo e permitir a formação de um novo gabinete de governo, geralmente mediante a convocação de novas eleições. No caso do Brasil, o uso do mecanismo do impeachment feito pela Câmara contra Dilma Rousseff deverá ser uma ameaça a futuros presidentes.
Mais uma vez, valerá a lição: não perca o apoio do Congresso. Ainda mais de um Congresso com alta fragmentação partidária e que sairá mais forte desse processo politicamente. Dilma não está na iminência de cair por causa das pedaladas fiscais ou porque tenha cometido crime de responsabilidade. Nas justificativas de votos no domingo, poucos deputados falaram das pedaladas ou de crimes de responsabilidade.
Dilma está ameaçada de deposição por incompetência no exercício do poder, pelo conjunto da obra de um governo ruim. A presidente conseguiu a façanha de colocar 367 deputados contra ela tendo à mão todos os instrumentos de poder, com 32 ministérios, com cargos e verbas. Quem mais contribuiu para derrubá-la foi ela mesmo. Dilma critica muito a imprensa. Responsabiliza a oposição pelo agravamento da crise. Ela tem razão em alguns pontos. Mas sua provável saída da Presidência se deve a escolhas dela.
A jornalista Ana Tavares, que foi uma excelente secretária de Imprensa no governo FHC e que conhece os meandros do poder em Brasília como poucas pessoas, tem uma imagem muito boa que ajuda a explicar o que aconteceu.
No governo FHC, houve crises políticas, sobretudo com ACM, o então todo-poderoso cacique do PFL, partido que virou o DEM. Havia pressão para FHC demitir aliados de ACM, o que acabaria acontecendo. Mas Ana Tavares disse algo assim num momento de forte pressão para que FHC desse um murro na mesa: a cadeira de presidente da República é muito poderosa. Tem alguns botões que o presidente tem de pensar muito antes de apertar, porque corre o risco de explodir a cadeira e ir junto com ela pelos ares, ponderou Ana.
Foi o que aconteceu com Dilma. Apertou botões na política e na economia que não deveria ter apertado. Foi alertada dos riscos. Ignorou o desgaste que a Lava Jato causaria diretamente a ela. Em agosto de 2015, dizia que não cairia porque não havia uma Fiat Elba contra ela. Apesar da honestidade pessoal, a Câmara no domingo mostrou que ela subestimou todos os perigos e alertas.
Se o PT e Lula querem recuperar a maioria na sociedade, porque hoje a perderam, deveriam fazer um autocrítica em relação aos erros do governo Dilma, mas deveriam, sobretudo, entender os equívocos que o partido e o ex-presidente cometeram. Ter indicado Dilma para sucedê-lo foi um erro de Lula, mas ele não poderia prever o desempenho ruim que ela teria na Presidência. O maior erro de Lula e do PT, entretanto, foi terem apoiado a reeleição de Dilma sabendo o que já sabiam sobre o modo de governar dela e com o nível de crítica interna que já tinham à presidente.
Na época, Lula queria ser candidato. O PT queria que ele fosse candidato. Mas Dilma não abriu mão de concorrer, e Lula e o partido não a contestaram. Petistas próximos ao ex-presidente dizem que ele tem ciência de que reeleger Dilma foi o seu maior erro político.
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