Vinicius Torres Freire - Folha de S.Paulo
Há fantasias de recomeço em todos os grupos que pretendem tomar o poder de Dilma Rousseff depois da votação do impeachment, seja qual for o resultado, Lula 3, Temer 1, Dilma 2, a Zumbi, ou sabe-se lá que mutreta institucional se venha a inventar.
Recomeço no sentido de alguma retomada econômica ou "estabilização", suficiente para evitar envenenamento adicional do ambiente socioeconômico e, assim, a ruína política antecipada de quem tomar o poder.
Esqueçam-se por um momento a conversa macroeconômica e debates sobre o médio e longo prazos. Convém ainda duvidar sobre os efeitos imediatos de um programa de reformas alentado.
Suponha-se que apareça um governo sério, de qualquer cor ideológica, com um plano crível e politicamente viável de consertar a política econômica e, ainda, de retirar o entulho microeconômico ruinoso deixado por Dilma Rousseff (ufa). Assim, especula-se, a expectativa de dias melhores animaria desde já empresas e consumidores sobreviventes da crise. Começaríamos lentamente a sair do buraco.
Observando as ruínas reais em torno, há motivos para suspeitar dessa primavera no pós-guerra. Considere-se o caso das montadoras de veículos, que nesta quarta (6) apresentaram os números de sua depressão cada vez mais profunda.
Cerca de 60% das linhas de produção de automóveis estão paradas. No caso de caminhões e ônibus, mais de 81%. A produção de automóveis baixou uns 40% desde o pico histórico de 2013 (em termos anuais), quase 1,5 milhão de carros a menos. A produção agora baixou ao nível de meados de 2005.
Já houve outras descidas aos infernos. Não tão longas; talvez de qualidade diferente.
Talvez a indústria automotiva padeça de mais que recessão profunda: de superinvestimento doentio, excesso duradouro de capacidade. As fábricas cresceram com o estímulo de crédito, reduções de impostos e algumas proteções da concorrência. A mão pesada (ou leve?) do governo inflou as montadoras, incentivando de modo artificial e, por fim, equivocado, decisões de investir ("distorceu a alocação de capital").
O governo inflou o crédito por meio de bancos estatais, alimentados à base de dívida pública. Reduziu impostos sobre bens de consumo de modo suicida, em termos fiscais. Etc. A distorção não aconteceu apenas em um ramo central da indústria de bens de consumo ou na construção residencial.
Não se pode dizer, do mesmo modo, que aconteceu superinvestimento no setor imobiliário, mas de algum modo tal coisa ocorreu. O ritmo de crescimento de crédito que inflou preços e expectativa de vendas era insustentável. Aliás, note-se que, em termos anuais, a venda de imóveis residenciais novos na região metropolitana de São Paulo caiu 17%.
Aconteceu tal coisa ainda com os investimentos incompetentes ou criminosos em expansão doidivanas do setor do petróleo, movidos a dívida e proteções. De modo inverso (escassez), ocorreu no restante do setor de energia (elétrica e etanol).
A economia de muita empresa ou setor está, pois, fora do lugar, além de avariada por dívidas e assombrada pela perspectiva de que o crédito não vai voltar a crescer tão cedo: ainda cai e, pior, os efeitos piores da recessão estão para aparecer no balanço dos bancos.
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