Do Blog de Ricardo Noblat
De 1995 para cá, qualquer jornalista ligado à cobertura de fatos políticos nacionais ouviu mil histórias sobre o suposto filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a jornalista Míriam Dutra. Eu ouvi e continuo ouvindo até hoje. Então por que desde lá poucas coisas foram publicadas a respeito? Primeiro porque Míriam sempre negou que o filho fosse de Fernando Henrique. Foi ela que segredou a um jornalista que o filho era de um biólogo - e a VEJA publicou.
Segundo porque Fernando Henrique sempre negou que fosse o pai. A um jornalista da VEJA que lhe perguntou se era o pai, ele certa vez respondeu sorrindo: “Não, deve ser o Serra”. Em abril de 2000, a revista Caros Amigos publicou extensa reportagem sob o título “Por que a Imprensa esconde o filho de oito anos de FHC com a repórter da Globo?”. Onze anos depois, dois exames de DNA comprovaram que o filho não era dele, embora FHC, por excesso de vaidade, acreditasse que era. Tanto que o reconheceu em cartório.
A imprensa poderia ter publicado, sim, que os dois namoraram durante seis anos. Mas a imprensa brasileira sempre evitou falar da vida privada de homens públicos. O Jornal do Brasil, em 1989, descobriu que Lula tinha uma filha de um relacionamento passado com uma enfermeira. Lula confirmou a notícia. A mãe da menina também. Então o jornal publicou. Como jornais e revistas publicariam que Orestes Quércia tivera um filho fora do casamento. E Fernando Collor também. Quércia e Collor confirmaram previamente a informação.
Lula foi um namorador emérito. Nem por isso a imprensa correu atrás dos seus casos. E nunca contou, por exemplo, por que ele fora tão mal no segundo debate presidencial com Collor em 1989. Foi mal porque estava cansado. Foi mal porque sua família recebera naquele dia telefonemas anônimos com ameaças contra ele. E foi mal porque temeu que Collor tivesse cópia da nota fiscal de um equipamento de som 3 em 1 que ele dera de presente a uma amiga de Brasília.
Collor não tinha a nota. Mas sabia da existência de fotografias de Lula com a amiga, na companhia de Bernardo Cabral e de uma jornalista. Os dois casais eram amigos fraternos. Costumavam se reunir. Cabral virou ministro da Justiça de Collor. Foi demitido quando Collor descobriu que, embora casado, ele namorava Zélia Cardoso, sua ministra da Fazenda. Por que a imprensa tratou do romance de Cabral com Zélia? Porque eles compareceram a uma festa em Brasília e dançaram agarradinhos o bolero “Besame Mucho”.
Anos mais tarde, Zélia, já fora do governo, ditou suas memórias do romance com Cabral para publicação em livro. Cabral reconciliou-se com a mulher, com quem vive bem até hoje. Nunca foi segredo em Brasília que o senador Renan Calheiros namorava a jornalista Mônica Veloso, mãe de uma filha dele. A imprensa só publicou algo a respeito porque Mônica revelou que a pensão devida por Renan à ela era paga por um lobista de empreiteira.
Uma questão pessoal ganhou o status de escândalo político. Mônica posou nua para a Playboy. Por não se imiscuir na vida privada dos poderosos, a imprensa francesa calou-se sobre uma filha de François Miterrand durante os 14 anos em que ele presidiu a França. A norte-americana sempre escancarou a vida privada dos políticos por entender que o distinto público tem direito de conhecer melhor seus representantes. Eu também penso assim.
De volta ao caso de FHC com Míriam Dutra: ao contrário do que se publica, ela não foi morar em Portugal porque a TV Globo transferiu-a para o exterior com o propósito de poupar FHC de constrangimentos políticos e pessoais. Na época, dona Ruth, mulher dele, já sabia do namoro e do suposto filho.
Foi Míriam que, um dia, entrou na sala do então Diretor-Geral da Globo em Brasília e pediu para ir trabalhar em Londres. Ela já era mãe. Queria viver uma nova experiência profissional, segundo disse. “Você sabe falar inglês?”, perguntou o diretor. “Não, mas em seis meses eu aprendo”, ela respondeu O diretor comentou: “Não aprende. Você teria de chegar lá falando inglês muito bem. Você não quer ir para Portugal?” Míriam aceitou na hora.
Portugal como destino de Míriam surgiu porque o diretor voltara da inauguração em Lisboa da primeira estação de televisão portuguesa de carácter privado, a Sociedade Independente de Comunicação (SIC). A Globo é sócia da SIC. Na época, sairia barato alocar na SIC um correspondente da Globo, que só contava com os escritórios em Londres e Nova Iorque. Assim, Míriam foi parar em Lisboa. Não foi exilada, como sugere que foi. Escolheu se exilar.
Ela diz que pensou em voltar ao Brasil, mas que Antonio Carlos Magalhães e seu filho Luiz Eduardo a aconselharam a ficar por lá. Os dois estão mortos, não podem confirmar nem negar. De todo modo, ela não voltou porque não quis. Míriam reclama, hoje, de pouco ter trabalhado quando de Lisboa foi para Londres e, de lá, para Barcelona. Ora, então por que não voltou? Ou por que continuou recebendo salário da Globo sem pegar no pesado?
Brasileiros que conviveram com ela em Barcelona contam que Míriam frequentava restaurantes caros da cidade e vivia com certo luxo. Quando a encontrei uma vez por lá, não achei que vivesse com luxo. Com conforto, sim. Além do salário da Globo, Míriam recebia uma mesada em dólar paga por FHC, e dinheiro que sua irmã, Margrit Dutra Schmidt, e o marido, o jornalista Fernando Lemos, lhe enviavam regularmente.
Margrit, ontem, estava de férias na República Dominicana. Ela é funcionária do Senado lotada no gabinete do senador José Serra. Lemos morreu. Enquanto foi cunhado de Míriam, ele pediu dinheiro a empresas e políticos, alegando que a ajuda era necessária para que Míriam pudesse se manter no exterior. Funcionou como uma espécie de empresário dela. Mais de uma vez, em telefonemas para amigos de Brasília, Míriam queixou-se da irmã e do cunhado. Acusou-os de reter parte do dinheiro que arrecadavam e que deveria ser dela.
Míriam refere-se a Lemos como lobista, embora tenha assinado contrato com uma empresa dele para receber salário sem dar em troca um só dia de trabalho, como ela mesma reconhece. Se quiser, Míriam ainda fará novas revelações sobre seu namoro com FHC, que ontem conversou por telefone com Tomás, filho dela, a quem presenteou há alguns anos com um apartamento em Barcelona. Quanto a FHC, ele deve melhores explicações sobre como remetia dinheiro para Míriam.
Ele diz que o dinheiro era seu, que estava depositado em bancos daqui, dos Estados Unidos e da Espanha, e que o transferia para Míriam mediante ordens bancárias. Tudo, segundo ele, legalmente. Míriam oferece outra versão. Diz que ele lhe repassava a mesada de 3 mil dólares mensais mediante um contrato dela fictício com a empresa Brasif S.A. FHC admitiu, ontem, a existência do contrato feito “há mais de 13 anos”. Mas prefere esperar que a empresa se pronuncie primeiro a respeito. Ela deverá fazê-lo nas próximas horas.
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